Saiba mais sobre Cigarro Eletrônico e seus riscos para a saúde
Os cigarros eletrônicos surgiram como uma alternativa aparentemente menos prejudicial ao tabagismo convencional. No entanto, à medida que sua popularidade cresceu, também apareceram preocupações sobre os potenciais perigos para a saúde associados a esses dispositivos.
Nesse conteúdo do Cooperando com o Coração, a especialista do InCor, Profa. Dra. Jaqueline Scholz, explora os riscos à saúde associados ao uso de cigarros eletrônicos. Confira:
A ANVISA desde 2009 proíbe a comercialização, importação e propaganda de quaisquer Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEFs) no Brasil, inclusive em julho de 2022, ratificou esta decisão. Países que acreditaram nestes produtos, como EUA e Inglaterra, constatam uma epidemia de consumo entre os jovens. Diferente do cigarro comum, que demora 20 anos para causar doenças, este produto teve a capacidade de provocar uma grave síndrome respiratória em mais de 2800 jovens americanos no ano de 2019, causando a morte de 69, a chamada EVALI. Outro dado preocupante é que a mortalidade por doença cardiovascular nos Estados Unidos tem aumentado nos últimos 10 anos entre os mais jovens, e coincide com aumento do consumo do produto entre eles. Paralelamente, inúmeras publicações demonstram risco aumentado de infarto e derrame cerebral entre os usuários, bem como, pesquisas revelam mecanismos de inflamação e lesões na parede dos vasos sanguíneos provocados por aerossóis contendo nicotina e inúmeros aromatizantes. metais pesados e outras substâncias não totalmente conhecidas que chegam aos pulmões dos usuários. A inflamação provocada pelo vapor está associada ao agravo da COVID entre os jovens usuários do produto, dobrando a chance de complicações respiratórias.
A tão prometida redução de substâncias cancerígenas também está em cheque. Substâncias cancerígenas são detectadas na urina de usuários exclusivos do produto. Apesar de ter comparativamente menos substâncias químicas em relação ao cigarro comum, não garante que as que estão presentes sejam inócuas e seguras, e adicionalmente revelam que novas substâncias são formadas pelo aquecimento da solução e não se conhecem os efeitos nocivos. Recentemente uma publicação constatou maior frequência de câncer de tireoide e de pele em jovens usuários do cigarro eletrônico e estes cânceres não tem relação nenhuma com cigarro convencional, comprovando que estamos diante de um produto ainda desconhecido quanto ao potencial de causar doenças. Ou seja, a prometida segurança vai se transformando em alerta: “Este produto causa dependência e faz mal à saúde”.
Alarmante é que o percentual de experimentação e uso dos referidos dispositivos vem aumentando significativamente no Brasil, promovido pela propaganda enganosa e ilegal feita por influenciadores digitais e venda ilegal pela internet. Os dados mostram que esta “vista grossa” das autoridades provoca estragos na nossa vitoriosa conquista de redução do tabagismo no Brasil. O percentual de fumantes, entre jovens de 18 a 24 anos, era de 28% em 1989 e, em 2019, 10%. Esta redução de fumantes teve impacto positivo na saúde individual e coletiva da população brasileira, sendo motivo de reconhecimento internacional. E aí vem o cigarro eletrônico… A pesquisa PeNSE 2019 avaliou a experimentação de cigarro eletrônico nos últimos 30 dias em adolescentes de 13 a 17 anos no Brasil e revelou que 13,6% dos jovens de 13 a 15 anos de idade e 22,7% dos de 16 e 17 anos já tinham experimentado. A Pesquisa Nacional de Saúde de 2019 detectou uso regular dos cigarros eletrônicos em 0,64% dos indivíduos acima de 15 anos, sendo 70% na faixa etária entre 15 e 24 anos de idade. Isto representa quase 1 milhão de usuários. Todo o trabalho para reduzir o tabagismo no Brasil está em risco com estes dispositivos. Já temos evidências suficientes para saber que viciam tanto quanto o convencional, como também provocam doenças. O Brasil precisa tomar medidas para inibir o comércio ilegal e a propaganda enganosa destes produtos, além de fazer uma grande campanha publicitária alertando para o risco de dependência e doenças causado por estes produtos.
Por favor, não caiam na ilusão de estimular fumantes a trocarem o cigarro comum por este produto, achando que vai reduzir “algum dano”. Até agora não tem nada comprovando isto. Nós já sabemos que os fumantes devem tratar a dependência à nicotina e não substituir a maneira de obter nicotina, perpetuando a dependência e consumo. Hoje trato de fumantes que trocaram o cigarro comum pelo eletrônico e se queixam que estão consumindo muito mais nicotina que antes, pois a ausência de cheiro e outras restrições sociais favorecem o alto consumo. Eles dizem: “Doutora, eu uso em qualquer lugar e a todo momento”. Eu apelidei o produto de “Chupeta do Diabo”.
O fumante deve ser motivado a procurar tratamento adequado para deixar de fumar, condição que inegavelmente reduz danos, promove vida e saúde. O tratamento da dependência ao cigarro eletrônico utiliza os mesmos recursos terapêuticos usados no tratamento da dependência ao cigarro convencional, e, em ambos, as taxas de sucesso do tratamento são elevadas.
Conheça a especialista
Profa. Dra. Jaqueline Scholz
Profa. Livre Docente da Faculdade de medicina da USP, Diretora do Programa de tratamento do Tabagismo InCor, Criadora do software PAF tratamento tabagismo, Criadora da Técnica Comportamental Fumar de Castigo.
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